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Fomos conhecer a dupla 2JACK4U, um projeto de Acid Techno com características pouco comuns. E pouco comuns porquê? Porque munidos de maquinaria analógica, sintetizadores, drum machines (máquinas de ritmo) e efeitos percorrem o país com os seus míticos lives improvisados de Acid Techno, género musical que surge no final dos anos 80. No seu estúdio em Cascais preparam o seu setup analógico, escolhem as máquinas (Roland TB-303, Roland TR-909/808/606, Roland SH-101, Roland MC-202, Behringer Pro-1, entre outros) e efeitos (delays, reverbs, phaser, distorção) que vão utilizar e apresentam os seus lives em festivais e locais de diversão nocturna, tendo já passado pelo Festival Neopop (Viana do Castelo), Brunch Electronik (Lisboa), Festival Forte pelo Lux (Lisboa), Gare Club (Porto), Desterro, Damas (Lisboa) entre muitos outros locais. Têm ainda um slot mensal com o seu programa “Covil Sessions” da Rádio Quântica e neste momento de pandemia é habitual vê-los e ouvi-los nos streamings que fazem nas redes sociais a partir do seu estúdio a que chamam Covil!
2JACK4U é composto por André Faustino, médico de profissão, cascalense por natureza e Rubina Góis professora de filosofia, nascida e criada no arquipélago da Madeira. A jornada musical de André Faustino começou quando se dedicou a aprender órgão clássico e formou a sua primeira banda de escola nos anos 80, “Os Sulfúricos” que tocavam covers do rock, pop eblues. Manteve-se em bandas de rock até final de 1991. Rubina Góis entrou no mundo da música quando começou a trabalhar numa sala de ensaios e gravações em Alcântara, posteriormente conheceu o André através de um amigo em comum, o Francisco. Juntos formaram os “LorenzFactor”, projeto de djing tendo a partir daí surgido outros projetos como “The Cage Cabarrett” de música experimental, “2jack4U” de Acid Techno improvisado com hardware analógico, “Pharmacia” banda de Krautrock com Ricardo Simões e Mário Fernandes.
Vamos conhecê-los melhor com uma breve conversa.
AMMA: Como surgiu a vossa formação musical?
2Jack4U
Rubina Góis: Desde pequena que adoro musica, sempre me interessei por conhecer ondas novas e novos estilos musicais, a música para mim faz parte de toda a minha existência e não poderia viver sem ela, mas é quando venho estudar filosofia para Lisboa que começo a trabalhar nesta área por ter conseguido trabalhar na receção de uma sala de ensaios em Alcântara, os estúdios HCU. Mais tarde, conheci o André através do nosso amigo em comum, o Francisco Rodrigues e como trio formámos os LorenzFactor, projeto de djing que percorreu Portugal de norte a sul com os seus djsets multifacetados e divertidos.
André Faustino: No meu caso começa quando inicio a aprendizagem do órgão e começo a tocar nas Missas do Colégio dos Salesianos onde estudei até ao 12º ano. Para podermos usar a sala de ensaios, tocava órgão nas missas, era uma espécie de moeda de troca para a banda que formei com os meus amigos, na altura “Os Sulfúricos”, pudesse ter uma sala de ensaios. Aliás tocávamos todos nas Missas e dias de Celebração. “Os Sulfúricos” duraram alguns anos mas era uma banda mutável pois sempre que saía um elemento mudávamos o nome; fomos Eqivoko, Cabo da Moca, SilverRose (estes são os nomes de que me lembro).
AMMA: Tiveram vários nomes para este projeto ao longo destes anos. Porquê?
2Jack4U: Não existiram vários nomes para este projeto. Existem e existiram outros projetos desde 2005/6. O primeiro foi LorenzFactor um trio de DJs, a partir daí surgiram muitos outros projetos paralelamente. Uns acabaram, outros estão em hibernação. “2jack4u” é a nossa vertente mais dançável porque o género musical assim o dita, falamos do Acid Techno. Mas existem outros projetos como “The Cage Cabarrett”, projeto mais experimental, mas também com maquinaria analógica, “Pharmacia”, projeto com formato banda onde eu e a Rubina contribuímos com os sintetizadores analógicos, o Ricardo Simões com bateria e outra parafernália de efeitos e instrumentos e o Mário Fernandes com o baixo. Existe também “The Man With No Head”, que é um projeto dedicado às produções dentro do estúdio. E a Rubina tem o seu projeto a solo, como Trigher que utiliza também sintetizadores e caixas de ritmo analógicas. No entanto há algo comum entre todos os projectos, são todos baseados em improvisação, 'sem rede', com material por vezes mais velho que nós. E, claro, temos centenas de horas gravadas de jams com outros artistas ou projectos, gravados aqui no estúdio.
AMMA: Em Portugal há mercado para a música alternativa mais em concreto o Acid Techno, ou ainda se sente alguma resistência da parte dos espaços de música nocturna e do público em geral?
2Jack4U: Neste momento não podemos considerar o Techno ou a Dance Music como alternativo. Por exemplo o Techno foi considerado em 2019 Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO. Cada vez é mais difícil encontrar espaços nocturnos dedicados unicamente ao Rock, no entanto locais com música de dança abundam pelo país. Porém os nossos Lives são uma metamorfose das nossas várias influências, canalizadas para aquelas máquinas, resultando num estilo que realmente podemos considerar mais underground e alternativo.
AMMA: Como vêm o futuro da música de dança em Portugal?
2Jack4U: Com bons olhos porque existe cada vez mais autonomia por parte dos produtores, mais ferramentas seja a nível de produção, mas também de divulgação do teu trabalho. Hoje em dia já não precisas de ser “descoberto” por uma editora para dares a conhecer a tua música, claro que com uma editora o caminho torna-se mais fácil. As plataformas de divulgação digital dão mais autonomia aos projetos para divulgarem a sua música e chegar a qualquer parte do mundo. Essa autonomia permite também que conheças e tenhas acesso a mais música de diversas origens. As bandas de garagem tornaram-se num produtor de quarto (BedRoom Producer).
AMMA: Como foram os vossos primeiros tempos antes de se lançarem e terem o sucesso que têm hoje e também quais foram as maiores dificuldades que sentiram?
2Jack4U: O acesso a certos espaços noturnos e festivais é um caminho por vezes difícil. Ser conhecido não significa que um projeto é bom ou mau, mas por norma só te convidam para grandes festivais ou grandes casas quando já tens uma certa “fama” no mercado, fama que não é necessariamente sinónimo de qualidade.
AMMA: Em que festivais e locais de diversão noturna é que já atuaram?
2Jack4U: Tocámos em locais como o Lounge, Desterro, Damas, Lux Frágil, Village Underground, Europa, Flur, Eka Palace (Lisboa); Gare, Maus Hábitos, festas da Ácida (Porto); Oceans Club para a EON (Portimão), Friday Hapiness Pizza Night (Monchique), Stereogun para a Lobo Mau Records (Leiria). E no Festival Neopop (Viana do Castelo), no Brunch Electronik, no Camping do Festival Forte (Montemor-O-Velho), no Zigur Fest (Lamego), nas Oficinas do Convento (Montemor-O-Novo), entre outros.
AMMA: Para uma atuação ao vivo, em média quanto tempo investem a prepará-la?
2Jack4U: Uma vida inteira (risos). É um trabalho que nunca para porque todas as aprendizagens são importantes para a tua evolução no teu trabalho. Mas gostamos de ter algum tempo mínimo, digamos 2 semanas, para pensar o setup, ou seja, as máquinas e efeitos que vamos utilizar e (muito importante) as ligações entre elas, depois das máquinas ligadas e testadas a palavra de ordem é “jammar, jammar, jammar”! Sempre improvisado! Sempre diferente!
AMMA: Os 2Jack4U têm a particularidade de usar equipamento analógico. Existe algum motivo especial para isso?
2Jack4U: Na verdade tudo começou quando o Francisco aparece no Covil com um flyer publicitário dos anos 70, de uma freira a manipular um sintetizador numa mala (EMS Synthi A) com a frase ‘Every Nun needs a Synthi’. Isto aconteceu por volta de 2009, a partir desse momento foi a desgraceira dos sintetizadores e comprámos o primeiro um Theremin. Nesse momento decidimos entre os 3 que o (pouco) dinheiro que angariássemos no djing seria para investir em synths e drum machines. Ficámos, portanto, máquino-dependentes J
AMMA: Como muitos dos aparelhos analógicos estão descontinuados do mercado, há dificuldade em conseguir obtê-los e fazer a sua manutenção? Ainda há componentes para substituição?
2Jack4U: É muito difícil porque a procura é cada vez maior e a oferta é pouca. Não é qualquer técnico que tem os conhecimentos para reparar máquinas analógicas do século passado. Já não existem os componentes originais, mas é possível encontrar alguns componentes que podem bem substituir os originais. Por outro lado, existem componentes que já não são possível encontrar, nesse caso dizes adeus à máquina, pois não há forma de a voltar a pôr a funcionar. Mas, no entanto, por as máquinas serem tão antigas, os componentes são extremamente simples (devido à electrónica na altura ser mais rudimentar) e esses conseguimos arranjar com facilidade. Mas a verdade é que muitos synths resultaram de lotes de peças defeituosas o que lhes dá um carácter único. E quando esse lote acaba... acaba a produção desse synth. Há várias histórias do mundo da música de grandes sucessos comerciais que resultaram de erros de produção ou lotes de peças defeituosas. O Roland TB-303 é o exemplo mais evidente e famoso!
AMMA: Assim para além dos vossos conhecimentos musicais, este projeto também requer conhecimentos de eletrónica. Houve necessidade de novas aprendizagens? Isso foi um bom desafio?
2Jack4U: No nosso caso, não nos dedicámos aos conhecimentos da engenharia eletrónica, porque o nosso trabalho não é reparar a máquina, mas o nosso papel é usá-la em termos criativos; esse é o nosso desafio. Tivemos de estudar o que é a síntese analógica, como funcionam os sintetizadores, o que fazem, como trabalham, para que servem tantos “botões” (risos), tivemos também de estudar qual a melhor forma de colocar várias máquinas a conversar uma com as outras, tivemos de estudar a melhor forma de montar um estúdio. Toda a componente técnica de reparação das máquinas foi sempre realizada por pessoas especializadas, atualmente pelo nosso “drº dos synths”, o Rui Antunes.
AMMA: Em que aspeto a atividade musical acaba por ter impacto na vossa vida profissional?
2Jack4U: Principalmente no sono (risos). Nunca temos fins-de-semana. É um interruptor passar da fase profissional para a fase criativa.
AMMA: Agora em situação do Covid-19 têm estado a oferecer espetáculos online de acesso livre. É uma questão de solidariedade para quem não pode sair de casa?
2Jack4U: Para nós é uma oportunidade de continuar o nosso trabalho, divertirmo-nos e divertirmos quem assiste, e ficamos felizes quando recebemos um “obrigado por isto, estava mesmo a precisar” porque significa que o live que transmitimos em streaming não nos fez só felizes a nós, mas a outros que estiveram (mesmo que por breve minutos) a assistir, se pudermos animar e dar mais alento a quem não pode sair de casa.
AMMA: Com o fecho dos espaços de diversão noturna ficam limitados à participação na Rádio Quântica e aos diretos online?
2Jack4U: Ficamos todos limitados em tudo, mas é necessário adaptarmo-nos e reinventarmo-nos daí estarmos a emitir os nossos diretos semanais online a partir do estúdio. Agora também há mais tempo e oportunidade para criar faixas novas que em breve sairão em várias compilações. A participação na Rádio Quântica é mensal e também convidamos outros projetos a mostrar o seu trabalho. Não centramos o programa “Covil Sessions” unicamente aos nossos projetos.
AMMA: Têm alguma mensagem que queiram deixar tanto aos vossos fãs como aos outros artistas que neste momento estão a viver as mesmas dificuldades que vocês devido ao confinamento?
2Jack4U: Parar é Morrer. Não Pára Não Morre! Tudo é Mudança e Incerteza (daí adorarmos a improvisação) e esta Pandemia veio comprovar isso e abalar todas as Certezas que o Ser Humano necessita e em que se apoia. Isto veio mudar tudo e temos que nos adaptar. E vamos conseguir! A Música não é só um escape é também um poderoso medicamento e meio de comunicação. E nesta altura precisamos tanto de comunicar uns com os outros....
AMMA: São tempos para repensar um pouco a vossa estratégia e alinhar o vosso futuro como projeto ou não estão preocupados com isso?
2Jack4U: Temos saudades de estar na presença das pessoas, de partilhar com elas o nosso trabalho, de fazer os lives e saudades da comunicação que se estabelece ao vivo. Queremos voltar aos lives porque sentimos falta dessa comunicação e união que sentimos com as pessoas quando tocamos. A nossa única estratégia é tocar! (sorriso).
AMMA: Como estamos a falar de saúde e tendo em conta que o André é médico, tem tido uma vida mais atarefada, nos últimos tempos. Consegue gerir bem a atividade de clínico com a música? A música acaba por ser um escape para si?
2Jack4U: Neste momento aguardo ser chamado para as 'trincheiras' mas até agora ainda não estive na linha da frente. A música é sempre uma catarse. É a terapia ao fim do dia. É o Xanax e o Prozac sem ressaca (risos).
AMMA: A Rubina também está a viver um novo desafio para os próximos tempos que será terminar o ano letivo com os seus alunos à distância. A pergunta é semelhante à do André, como consegue gerir nestes tempos que são novidade para todos e a atividade musical?
2Jack4U: O desafio é enorme e está a dar-me muito prazer preparar as aulas à distância onde neste momento trabalho com sessões síncronas, mas também com sessões assíncronas. Aquilo de que me apercebo é de uma maior motivação dos alunos para aprender. Penso que os miúdos são constantemente bombardeados com a escola, o ter de aprender isto e aquilo, a serem obrigados a passar demasiado tempo no espaço escolar e dentro das salas de aulas o que se torna exaustivo e desmotivador. Com esta pausa pandémica eles aprenderam a valorizar as aprendizagens e os conhecimentos. Esta é também uma altura para o ensino se reinventar fora da sala de aula e quando regressarmos ao espaço comum trazermos connosco aquilo que aprendemos com o ensino à distância.
AMMA: Em termos de rentabilizar o vosso projeto, estão a idealizar o lançamento de algum álbum, ou mesmo para aquisição dos temas nas plataformas eletrónicas?
2Jack4U: Existem várias faixas prontas a sair em breve em diversas para compilações. Durante esta pandemia, para além dos streamings, estamos a focar-nos também num projeto colaborativo com outros produtores portugueses e a focarmo-nos na produção de um álbum ainda sem data anunciada.
AMMA: Agradecemos a vossa disponibilidade por esta conversa, para vos darmos a conhecer melhor aos nossos leitores, fazer o balanço da atividade da música alternativa, neste caso o Acid Techno e ainda a conjuntura social que atravessamos com a atividade do projeto.
Texto: Pedro MF Mestre
Fotos: André Dinis Carrilho