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As belas dunas (II)

Ao toque de alvorada, quase simultâneo com o cantar do galo, pois tinha de aplicar mais meia hora de gelo, comecei a ter fé que a situação se iria compor. A minha mulher não se queixava da sua lesão e eu para não dar parte de fraco…também nãoJ. O joelho tinha desinchado qualquer coisa, mas doía-me “pra caraças” (ia gemendo baixinho). Abreviando…dose de antibióticos, mais analgésicos e sacos de gelo com fartura, resultaram num paliativo a meio gás. –“Vambora qu`está na hora e mainada”.

Procedi a um ligeiro aquecimento com toda a cautela e apercebi-me que o joelho estava preso por arames, mas se a dor se mantivesse com aquela intensidade, ia dar para partir…só não sabia se daria para chegar. A prova no mapa de Rovisco Pais, era de distância longa (7.100 mts) o que não vinha ajudar nada, mas o meu espírito de sacrifício iria vencer (ai dele!). A verdadeira e irremediável dor iria ser outra.

Fui dos primeiros a partir, com a função de desbravar terreno, tendo todo o cuidado de deixar os carreiros bem abertos, para a rapaziada que viria a seguir não se perder. Sou de um altruísmo sem limites (hehe). Com a preocupação de me defender, a minha corrida toda desengonçada, devia ter alguma semelhança com a do Mantorras (hehe).

Galvanizado com a prova do dia anterior, fui rangendo os dentes, para ir aguentando a moedeira que me ia importunando. Com o evoluir do percurso, a dobradiça aqueceu e quase esqueci a maleita. Tinha de tentar fazer uma prova o mais limpa possível, porque estava convencido que poderia conseguir o melhor resultado da “istória” do espécie.

As belas dunas não me iriam deixar ficar mal, mas eu também tinha de cumprir a minha parte (e aqui residia o problema). As pernadas iam-se sucedendo a um ritmo que me começava a preocupar. “Isto está a correr bem demais”, pensei com os meus botões. Os pontos pareciam que tinham íman, de tal forma o meu SI os ia picando. Pernadas longas, ou técnicas, mais fáceis ou mais exigentes, todas me correram “demasiado” bem, facto que me ia deixando um tanto ou quanto desconfiado. Estava de tal maneira empolgado, que parecia correr nas nuvens, -“é um sonho, não acredito”. Creiam que não tenho nenhuma peripécia para relatar. Nunca tal me tinha sucedido. Ia-me cobrir de glória! (hehe)

Com mais de três quartos da etapa percorrida, ainda não tinha sido alcançado por nenhum parceiro de escalão (o que acontece normalmente) e o único que acabou por me ultrapassar, tendo saído depois de mim uns vinte minutos, só o conseguiu nos últimos três pontos (dos 18). Refiro-me a um craque, que em condições normais, me ganharia uns quarenta e cinco minutos, - “mas hoje isso não vai acontecer” (sonhava eu).

Tinha a moral nos píncaros, que mal entro na pista para controlar o 200 e sprint final, vem-me à memória uns flashes dos sprints engraçados que fazia há uns anos atrás. Dá-me um acesso de loucura (desfiz o resto do joelho) e cá vai disto…brrrruummmm…uma curva e recta de se lhe “tirar o boné” e levantar o tartan. Os splits não deixam que vos minta (Obikwelu onde estás tu?).

Quando terminei, a falta de ar era tanta que tive a sensação de que ia cair redondo. Não é que estava tudo a “brincar” à minha volta? Não caí naquele momento, mas fui ao tapete logo de seguida...mp?...mp?...

Este texto podia e devia terminar aqui. É impossível transmitir por palavras o meu estado de espírito naquele momento. A água do balde que caiu por mim abaixo era mais fria que o gelo, a que me tinha sujeitado longos períodos, para poder ali estar presente. O sonho que eu julgava estar prestes a alcançar, num simples “bip”, transformou-se no mais tenebroso pesadelo dos orientistas.

Incredulidade, desilusão, frustração, desespero, raiva, mas sobretudo um sentimento de impotência e revolta, porque não havia nada que eu pudesse fazer. A não ser voltar atrás e picar o ponto 9, tantas vezes até ele calar o pio. A minha cor devia assustar (um cadáver teria melhor aspecto), pois de imediato vieram indagar se me sentia bem, só que eu nem conseguia falar. A minha vontade era chorar e gritar o mais alto possível, mas a malta podia ficar assustada (era melhor não). Ao olhar o joelho, que estava mais inchado que a minha “cabeça”, ainda fiquei mais abatido, a pensar no sacrifício que tinha feito para nada. Isto é que tinha sido um bruxedo bem feito, hem? (hehe).

Quando recomecei a raciocinar, deu-me logo para a fantasia – “como fui dos primeiros a passar, a baliza estava adormecida e não validou, ok foi isso”. O António Amador ao reparar no meu desespero ainda me confortou – “vamos ver se mais alguém se queixa, não desanimes”. Entretanto chegou o jovem Sayanda, que tinha picado o mesmo ponto e a minha ténue esperança esfumou-se. Custa a engolir estes “mp`s surprise”, ora se custa.

Se na altura eu quase podia jurar que tinha controlado o ponto, depois mais a frio, ao rebobinar o filme das pernadas, assumi a grande asneira que tinha cometido. A pernada para o ponto 9 tinha mais de 600 metros, com várias opções para a progressão e não tendo feito a mais indicada, saí um pouco ao lado e próximo de outro ponto, que confirmei ser o controlo seguinte (10), que nem era grave, já que distava do 9 uns 150 metros, no máximo. O que aconteceu é que, num momento fatal de desconcentração, piquei este ponto e segui para o 11, em vez de me reorientar para o 9 e regressar novamente ao 10. Confuso? Não. Espécie de orientista? Sim.

A traição de que fui alvo pelas minhas belas e adoradas dunas, fazem-me repensar o meu futuro na Orientação. Provavelmente terei de fazer um interregno nesta relação e equacionar a hipótese duma aproximação às monstruosas “pedrolas”. Quem sabe se nos tempos mais próximos, não poderá germinar uma nova e profícua amizade com o “espécie de orientista”, quando nos confrontarmos lá pelas bandas das paisagens alentejanas?


 

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quinta-feira, 18 de abril de 2024 – 23:26:08

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