
Esta artista plástica brasileira (também com nacionalidade portuguesa), explora uma técnica um pouco habitual para exprimir a sua arte plástica, mais propriamente a utilização de vários materiais de maquilhagem e cosmética não usados ou mesmo já fora do prazo de validade. Inicialmente a sua técnica era o óleo, mas a ver os seus produtos ficarem fora de prazo e ter que os deitar fora, pensou em dar-lhes uma segunda vida. Para Geórgia Patrícia, também se torna uma questão de sustentabilidade, facilidade de adquirir esse material por preços baixos e terem uma outra utilidade. Assim nasce o projecto "Maquiarte".
A sua definição para Arte Sustentável:
- Suprareciclagem - transformar de modo que surja um novo objeto
- Infrareciclagem - descartar de modo adequado para ser enviada a um ponto de reciclagem
- Reutilização - em vez de jogar algo no lixo, aproveitamos o objeto como está para prolongar o ciclo de vida.
- Reciclagem - em vez de jogar no lixo, damos uma finalidade diferente da original
- Upcycledart - arte feita com material descartado
A sua formação académica é em direito, contudo já passou por várias áreas, tanto no Brasil sua terra natal, assim como a temporada em que residiu em Portugal.
A artista tem uma visão em que a própria pintura que fez, tal como o "make-up" da mulher pode ser retocado, também pode retocar a sua obra passado algum tempo, se vir que a pode melhorar e dar um novo aspecto que mais lhe agrade, desde que não tenha aplicado fixadores ou aerossóis permanentes.

Ela relembra que este tipo de arte reciclada não é novidade, já foi usada no passado, e temos artistas plásticos que hoje em dia têm muitas obras feitas a partir de materiais reciclados. É uma filosofia de trabalho transversal no tempo com mais diversos materiais e técnicas, como por exemplo Pablo Picasso ou George Braque com restos de jornais e revistas no início do séc. XX e temos outros mais recentes, como o artista português Bordalo II que tem muita arte urbana construída a partir de materiais reciclados.
AMMA: Geórgia Patrícia tem formação em direito, é artista plástica, mas diz que é por acaso. Como é que um artista plástico se torna artista por acaso?
Geórgia Patrícia: O acaso é um artista, é fundamento para todo processo criativo. A maravilha da arte é poder criar resultados artísticos que não conseguiríamos por meio da emoção. É estar livre de predefinições. Portanto, penso que todo artista plástico se torna artista por acaso, todas as vezes que aceita trocar ideias, analisar sugestões e estar aberto ao novo que pode dar muito certo.
AMMA: De início, quando pinta a óleo, tendo em conta o custo dos materiais e tem a sugestão de uma amiga para utilizar artigos de cosmética e maquilhagem, foi fácil a adaptação a estes novos artigos?
GP: Confesso que não foi fácil devido a rejeição imediata: “isto não serve”... mas a fala do artista está nos olhos nas ideias novas. Antes de tudo era preciso encontrar algo que pudesse fixar a maquilhagem à tela: o alcool gel cumpriu essa função pois além de fixar, higieniza. Depois parti a misturar o alcool às máscaras para sobrancelhas, bases, blush, sombras e tinturas para cabelos. O resultado foi excelente.

AMMA: Quando apurou a técnica e viu que podia prosseguir a sua carreira artística usando estes materiais que ideias lhe surgiram?
GP: Uma forma de dar continuidade ao trabalho com maquilhagem seria pedir as amigas, aos salões de beleza, as revendedoras das marcas as maquilhagens fora do prazo que certamente estariam na gaveta ou descartadas no lixo. Assim eu comecei a campanha peditória. De outra forma, pensei na realização de mini aulas expositivas a falar da importância da reutilização e o descarte correto e com isso fazer a recolha. A divulgação nas redes sociais a mostrar o resultado dos pigmentos na tela também ajudou bastante. Escollhi fazer figuras representativas da beleza feminina como principal atrativo e personagens do nosso carnaval, para despertar a curiosidade das pessoas. Ao final de um ano eu estava com uma divisão da casa só para as maquilhagens. A adesão foi imensa.

AMMA: Neste momento que tipo de pintura faz? Tela, vestuário...
GP: Basicamente utilizo a maquilhagem para compor as minhas telas. Um ou outro trabalho sob encomenda com tinta a óleo mas as pessoas já estão a perceber que a aquisição de uma tela com maquilhagem, gera a opção de modificá-la em dois ou três anos, acompanhando a mudança na decoração da casa. Quanto a vestuário ainda nao investi mas é para um futuro próximo. Tenho feito peças decorativas e utilitárias: bandejas, canecas, porta chaves, mini vasos com o vidro de verniz para unhas ou vidros de perfume.

AMMA: Nos anos em que viveu em Portugal chegou a realizar pinturas? Já com esta técnica?.
GP: Portugal foi o meu despertar. Foram as janelas de Maluda que me fizeram observar mais a cidade de Lisboa. Eu me identifiquei com a artista, eu amo janelas. Pintei a janela da casa dos meus avós na tampa da caixa em que guardei os meus primeiros tubos de tinta que na época eram acrílicas. Tenho telas em casa de amigos portugueses.. foram meus primeiros rabiscos.
AMMA: Nos anos em que a pandemia afectou o mercado todos e as nossas vidas, conseguiu ter mais tempo para apurar as suas técnicas?
GP: O ano mais pesado da pandemia foi quando mais desenvolvi. Quando surgiram as lives as pessoas queriam conteúdo, novidades. Surgiu a oportunidade de uma reportagem para a TV, então mandei os vídeos do que eu estava a fazer naquelas longas horas. Eu não me sentia sozinha, a arte me acompanhava. Também recebi muito material. As mulheres em home office não usavam as maquilhagens. Tínhamos tempo para tudo! Diante de tantas tristezas, a arte resistiu.
AMMA: Em termos de locais onde por norma expõe as suas obras de arte, tem passado por que espaços?
GP: A primeira exposição surgiu de uma oficina com jovens aprendizes. Fui contratada para dar aulas e o resultado foi uma exposição das 20 telas produzidas. Antes, fizeram a campanha de arrecadação das maquilhagens em março/2022, em virtude do Dia Internacional da Mulher e com esse material surgiu a Exposição Ressignificando a Beleza do Descarte, no mês de Junho/22, dedicado ao Meio Ambiente. Tenho participado de feiras de artesanato, oficinas com crianças, adolescentes e adultos, feirinhas em colégios e em épocas especiais , tais como dia das crianças e férias escolares.

AMMA: Assim sendo a Fenearte tem sido uma grande feira que a acolhe com frequência. Na edição deste ano foi seleccionada para o Espaço Sebrae de Economia Criativa. Estava no seu sitio certo?
GP: “Todo artista tem de ir aonde o povo está”. A Fenearte é referência para as feiras de artesanato, especialmente no Nordeste onde se concentram por 12 dias, os grandes mestres do artesanato brasileiro. Ser seleccionada para o Espaço Sebrae é estar entre eles. Entretanto, já estive no sector do “artesanato contemporâneo não tradicional” mas sinto que estar no sector das artes plásticas é o ideal. Quem sabe na próxima? Ainda não estou no sítio certo da feira mas estou a caminho.
AMMA: No início da nossa conversa, abordamos a questão de ter passado da utilização de materiais mais caros para estes mais sustentáveis e economicamente mais acessíveis. O preço tanto das tintas como das telas pode ser o travão na carreira de um artista?
GP: Em termos. Os materiais de qualidade são mesmo caros. Sabemos que o tipo da tinta vai determinar a duração da obra de arte. Material ruim vai descascar, enrugar. Pincel ruim vai deixar pêlos na tela ou nao vai espalhar a tinta como deve ser. Isso ocorre também na maquilhagem, por isso a importância de usar boas marcas na nossa pele. Entretanto os altos preços não nos impede de criar e fazer arte. Há outras superfícies para a pintura, o tecido, o papelão, o papel machê por exemplo. Quanto as tintas podemos partir para os pigmentos naturais extraidos da cenoura, beterraba, feijão preto, romã, cúrcuma, coloral, casca de cebola, areia, argila, café... uma infinidade de cores que existem na natureza à borla.

AMMA: Acha que continua a ser complicado ser artista plástico e viver da arte, transversalmente a ser no Brasil, em Portugal ou noutros países?
GP: Penso que em qualquer profissão existem as dificuldades e as respostas podem demorar. Viver da arte é para poucos, infelizmente. Devemos sim viver com ela, insistir e acreditar que é possível, que o que se faz é satisfatório e pode ser ponto de partida para algo maior. Certamente o lugar aonde se vive pode determinar as oportunidades para o artista. No Brasil percebo melhor investimento nessa área nos últimos anos com os editais da Lei Paulo Gustavo de incentivo a cultura. Na iniciativa privada temos as galerias e as feiras de arte e grupos de artistas independentes.
AMMA: Que mensagem gostava de deixar a futuros artistas plásticos, sobre a exploração de outros materiais, ser criativos com outras técnicas, obviamente sem deixar de parte as mais clássicas?
GP: Já nascemos artistas, ocorre que ainda não sabemos, uns descobrem, outros não ou não desenvolvem. É preciso coragem para se expor, gostar do que produz, não se intimidar com a opinião alheia, fazer a arte do seu jeito, da cor que preferir, mas que tenha identidade, que tenha seu traço e características próprias e o mais importante é não desistir.
Texto: Pedro MF Mestre
Fotos: Cedidas por Geórgia Patrícia Silva






