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Os bloqueios da Falperra

A obsessão com o mapa de Muas revelou-se de tal modo redutora, que não me permitiu observar mais nenhum aspecto do evento, para além dos detalhes técnicos do terreno. Parece que alguma rapaziada apresentou uma enorme lista de reclamações, da mais variada índole, que eu não subscrevi (nem subscrevo) e que se prendiam sobretudo, com pormenores da Arena e demais picuinhas logísticas.

Não nego que poderão ter razão, mas perante as magníficas condições, que a Organização nos ofereceu em Vila Pouca de Aguiar, na segunda jornada do Portugal O`Summer, nas margens da Barragem da Falperra, creio que deveriam rever a posição e analisar com benevolência, o que de menos bem esteve no primeiro dia. No entanto, abstenho-me de comentar sobre as pretensas questões técnicas, pois já li e ouvi uma quantidade de opiniões díspares, que o mais aconselhável é o silêncio.

Apenas se pede um pouco de condescendência, para um grupo tão reduzido de “heróis” transmontanos, que provavelmente teve de ultrapassar obstáculos mais complicados, do que as nossas simples “pedrolas”, para nos poder proporcionar mais um fim-de-semana apaixonante.

Certamente, ninguém terá ficado insensível ao ambiente harmonioso, que envolvia toda a zona de chegadas e partidas, localizadas em plena Arena, que desta vez dispunha de todas as mordomias, para felicidade dos mais exigentes. Perante cenário tão apelativo (custa a acreditar, que outrora, estas paragens foram local privilegiado para acoitar os maiores facínoras da região), os atletas só tinham de desfrutar, aguardar que os terrenos a percorrer estivessem dentro de idêntica bitola e…esquecer o marginal (noites mal dormidas no solo duro, são parte integrante da modalidade).

Como partia bastante tarde, aproveitei para contemplar a beleza do espelho de água da barragem, prostrando a musculatura ao sol, no intuito de descansar o corpo e espairecer o espírito. A ideia parecia-me boa, mas o que consegui desse momento de ócio (há quem lhe chame meditação “zen”), foi um ataque de moleza, de deixar os neurónios em transe. Ainda por cima, a pituitária estava a ser atacada por um aroma inebriante, proveniente das entremeadas, que já se encontravam em preparação. Ora isso não é nada benéfico, para quem tinha de percorrer no mínimo 4.900 metros e detectar 25 controlos.

O tiro saiu-me pela culatra. Eu que esperava que o relaxe da barragem me deixasse motivado e fresco como uma alface, o resultado obtido foi precisamente o contrário, desestabilizando as capacidades cognitivas do “berdadeiro” e bloqueando-me por completo. Na hora da partida, a minha vontade resumia-se a preguiçar na sombra do parque de merendas.

Embora me sentisse sob o efeito de uma pasmaceira aguda, tinha fé que mal entrasse em prova, tudo se desanuviasse num estalar de dedos. Pois bem, nem com castanholas lá iria. Arranquei tão trôpego, que antes de picar a primeira baliza, já tinha tropeçado em quase todos os galhos da zona. – “Mau, se não bebi nada, porque raio ando aqui aos tombos?”.

As pernas pesavam de tal maneira, que desconfiei que levasse botas calçadas em vez de sapatilhas. Tal qual uma arrastadeira, ainda me fui desenrascando nos quatro controlos iniciais, apesar de constatar que este mapa apresentava mais “pedrolas” do que seria expectável (valha-me ao menos o desnível moderado).

Ao quinto ponto, numa área de floresta carregada de pedras e onde predominava vegetação incómoda (que mania de taparem o prisma), pumba!...mais um bloqueio, este de origem geológica. Uma pedra? De que dimensão? Junto a um afloramento? Mas isto é só afloramentos c`os diabos…Do lado sul? Claro, a direcção em que seguia. Bem, passei sete, oito minutos a vasculhar pedras, pedritas e pedregulhos. Demorei mais tempo nesta pernada, do aquele que trazia acumulado (triste sina a minha).

Uma contrariedade inesperada, que acabou por ter um lado positivo, porque me levantou a adrenalina, espevitando o espírito competitivo, que se encontrava letárgico. – “Grrr…venham essas “pedrolas”, que até as como”. Arreganho não me faltava…O episódio serviu de balão de oxigénio, e esperava eu, que se mantivesse activo até ao final. Mas não acham que era pedir demais?

O terreno foi variando, ora floresta, ora área aberta, mas sempre com um denominador comum – pedras com fartura. Convém ter em conta, que tudo o que é usado em excesso pode provocar distúrbios, sejam de natureza física ou psíquica e a páginas tantas, até resultar numa indesejável overdose. Receio, que me perseguiu até terminar a prova.

Fui doseando o “oxigénio” como desbloqueador, saltando para pedra à esquerda, correndo para falésia na encosta, mais reentrância em afloramento, mato para desbravar, ribanceira para trepar, outra para escorregar, depressão rochosa, pedrola na clareira e volto novamente às margens da represa. Enfim, uma quantidade de pernadas tecnicamente diferentes, de níveis de exigência variados, que me provocaram ligeiras hesitações de progressão, mas onde não cometi erros de palmatória, apenas esgotando o pouco e fraco carburante disponível.

O ponto 14, localizado a centímetros da água, deu início a uma gincana de pernadas curtas e rápidas, que me deveriam levar num ápice ao conforto do “finish”. Deveriam…digo eu. Raciocínio lesto e ritmo diabólico, era o que se aconselhava na última parte do percurso, que não são propriamente os atributos principais do “berdadeiro”.

Nem iniciei mal o circuito aquático, efectuando sete pernadas em 10:37. Todavia, a barragem tornou a influenciar a minha sensibilidade, o “oxigénio” começou a rarear, e no ataque ao vigésimo segundo controlo, passo o muro referenciado no mapa, mas o sacana do ponto…de grilo!

Ao fim de uma eternidade, percebi que havia outro muro desenhado, poucos metros adiante. Oh!!! Porque carga de água, ainda me espanto com estes equívocos bacocos? Se já vinha em esforço, quase ao retardador, com este balde de água fria, sofro novo bloqueio, que por pouco não originou uma tragédia na carreira do “berdadeiro”.

Eles não matam, mas moem. Erros todos cometem, mas de básico, duvido que aconteçam a miúdo. Descontente com mais um atascanço averbado, saio do ponto na direcção oposta, com certeza para aumentar o pecúlio de asneiras crassas. Safei-me, por a pernada ser curtíssima e ter-me relocalizado de imediato. Uff! Foi por um triz. Só que o meu desatino encontrava-se nos píncaros e ainda ia fazer das suas.

A penúltima progressão (200 mts), obrigava a transpor um ribeiro forrado a verdes, apenas com uma única passagem, que eu encontrei sem dificuldade, mas surgiu novo obstáculo bloqueador, uma conduta de água, igualmente protegida por silvados agressivos. Vítima de orientação negligente, desviei-me o suficiente para desembocar quase na Arena, pois avistei umas fitas balizadoras, deduzindo serem as das chegadas e que me ajudariam a chegar à reentrância do ponto 24. Dedução falsa e caricata, que me provocou a maior penalização da etapa.

Vou proceder a uma confidência. Realmente eu via a Arena, as fitas não eram miragem, mas quem me disse que pertenciam às chegadas, enganou-me bem. Elas apenas limitavam o perímetro da Arena, nos antípodas do “200”. A partir daqui, qualquer raciocínio baseado nestes pressupostos, só podia gerar pastorícia à moda da Falperra, ou parafraseando o “Zé do Azimute” – “a bota não batia com a perdigota”.

Por força de bloqueios pontuais, que o presente texto tentou em vão explicar, realizei uma prova heterogénea, originando pernadas incrivelmente certeiras e outras de progressão inconcebível. Comportamento bipolar, que me deixou com um forte amargo de boca, por não dispor de arte nem engenho, que me possibilitasse fruir de um mapa, que apresentava as características essenciais, para um interessante percurso de Orientação.
 

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quinta-feira, 23 de janeiro de 2025 – 11:32:02

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