O percurso de distância longa disputar-se-ia novamente na Serra da Botelhinha, mas numa área mais a norte, com partidas e chegadas no centro da aldeia de Vale de Mir, localidade com duas dúzias de casas, um castro da Idade do Ferro e um par de habitantes cicerones – a Ti Aldina e o seu cachorro Teco – que acompanharam a par e passo as movimentações de todos os intervenientes.
O termo “botelhinha” ficou a matutar na minha cabeça e decidi investigar a sua origem. Para desilusão de muita gente, que esperava encontrar uma terra de garrafas bem torneadas e pequeninas (tipo Mateus Rosé, hehe), quero informar os menos atentos, que “botelha” é o que se chama por aqueles lados, aos maciços de mato em terreno coberto de giestas. Ora aí está! Analisando a paisagem circundante, não havia que duvidar, portanto esqueçam o vasilhame da pinga, o ponto forte centrava-se nas moitas.
Se é público a minha aversão a tudo o que seja pedra, também é verdade que desatino com a vegetação selvagem. Se as primeiras me desorientam, a segunda deixa-me desaustinado. Anda um rapaz aflito, em busca dos prismas nos labirintos pedregosos e ainda tem que levar com arbustos que só atarantam ainda mais, agarrando-se às botas e ao fatinho como tentáculos. Chiça! È de fazer perder a paciência a um santo.
O tempo estava farrusco, mas foi-se aguentando até o azarado do “ berdadeiro” meter os pés ao caminho. Nessa altura, desabou um pé de água, que me encharcou o mapa, a bússola, a lupa, os costados e só o meu boné predilecto me protegeu o penteado. Claro que a intempérie momentânea (nem me lembro se continuou a chover, hehe) me prejudicou a abordagem à primeira baliza, pois nem distinguia os muros, os carreiros, os verdes, os companheiros…ou antes, só descortinava o cinzento dos montes de “pedrolas”.
Mal refeito com esta abrupta entrada no mapa, aparece-me a pernada mais extensa para aumentar a complicação, com 800 metros, qualquer coisa como quatro colinas adiante, o que considerei uma violência para o “berdadeiro”. Quando já em desespero, me preparava para calcorrear a imensidade de “botelhinhas”, consigo discernir mesmo no limite do mapa, um caminho salvador que me ajudaria a tornear as encostas e evitar reentrâncias atafulhadas de mato e pedra, o que se veio a revelar uma óptima opção.
Dois pontos à frente, a ordem era para regressar (700 mts), mas desta feita não havia outra alternativa, que não fosse uma verdadeira progressão por curva de nível, num trajecto paralelo ao anterior, mas de sentido contrário. Tecnicamente realizei uma pernada perfeita, mas não possuo a destreza física necessária, para pular, correr e desbravar mato, como alguns parceiros mais expeditos, porque já o tenho afirmado, os meus genes não têm definitivamente características de cabra-montês. É pena, mas não me adianta chorar, cada um argumenta com aquilo que Deus lhe deu (e a mim calhou-me tão pouco, hehe).
Após estes quatro pontos iniciais, em terreno de assinalável índice técnico, onde se percorreram mais de metade dos 4.000 metros estipulados (tendo perdido mais de uma dúzia de minutos para a concorrência), o cenário alterou para melhor, com o surgir de muros, campos de cultivo, alguns trilhos, umas arvorezitas (que saudades!), todavia os detalhes rochosos continuaram a prevalecer, mantendo o grau de exigência.
No que me diz respeito, as preocupações dissiparam-se neste controlo, dado que a partir daqui efectuei uns percursos eficazes, sem contratempos de realce, isto se não der importância ao penúltimo ponto (o décimo primeiro, “153” – “a baliza asinina”), situado numa escarpa perfeitamente acessível, mas de “perigo iminente”. Penso que todos os atletas devem ter percebido o olhar carregado de ódio que a burra nos lançou, hehe, e com razão, pois andámos a conspurcar o seu almoço, pisando sem escrúpulos a erva viçosa. Ai se ela não estivesse presa! Muito “mp” haveria a contabilizar.
Na parte final, aguardava-nos um pormenor curioso, quase original e um tanto perverso. O trajecto do “200” ao “finish” assemelhou-se a um mini sprint urbano…e com inclinação bem visível. Agora entendo as facilidades concedidas no dia anterior. Cerca de 200 metros (a sinalética mencionava 125, seriam?), pelas ruelas da aldeia, com duas rampas demolidoras, a deixar o pessoal com a língua nos joelhos, onde o “berdadeiro” rangeu os dentes, as rótulas, os artelhos, as unhas, mas não cedeu um milímetro (grr…até os comemos!). Devo ter tendências masoquistas, dado que adorei este fim de festa diferente do habitual.
Tanto eu como a minha mulher tivemos comportamentos adequados às exigências, não deixando ficar mal o clube, o que nos alivia o espírito, porque em qualquer momento pode sair asneira e da grossa. No entanto, pelo facto de agora pertencermos a uma colectividade, vivemos outro género de consumições, que se prendem com os resultados colectivos.
Na realidade, os nossos atletas não lograram classificações de topo significativas, havendo a lamentar alguns erros inesperados cometidos por gente conceituada, que nos criou alguma apreensão com o resultado final, mesmo tendo em conta um certo equilíbrio na maioria das prestações. Feitas contas em cima do joelho, prognosticávamos na melhor das hipóteses um terceiro lugar.
Para surpresa e espanto geral, o brilhante e justo vencedor do Douro de Orientação foi anunciado como sendo o glorioso GD4C.Yes!!! (lá se vai mais um naco de isenção, mas julgo que compreendem a defesa da camisola) Ainda surgiram algumas dúvidas quanto à certeza do resultado, mas não havia nada a objectar, os números não enganavam.
É caso para relembrar um célebre ditado popular, que encaixa perfeitamente na história duma competição em terras onde as vinhas são quem mais ordena: “Até ao lavar dos cestos é vindima”.