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Jovens talentos de esgrima histórica

 

A Academia de Esgrima Histórica promoveu um convívio na Sala de Armas de Algés/Miraflores e Lisboa com os seus talentos de palmo e meio que foram recentemente medalhados na sua classe de Gladiadores.

 

É de notar que as aulas destes jovens são gratuitas pela parte da Academia nas suas Salas de Armas situadas nas suas escolas ao longo do país.

 

Para a Academia é muito importante que as crianças e jovens desenvolvam valores e espirito de trabalho em equipa e camaradagem entre si, para facilitar isso promove de forma voluntária a sua formação na classe de Gladiadores.

 

O Mestre Fernando Brecha, responsável pelos Gladiadores e restantes modalidades da AEH assim como pela HEMA, define as três prioridades para os alunos:

1) Família
2) Escola
3) Desporto

 

Falámos com alunos, pais e instrutores. Vimos a alegria que estes jovens talentos sentem quando estão reunidos e a vontade de comparecer a estas aulas.

 

A nossa conversa foi dinâmica e feita em grupos. Vamos começar pelos pais.

AMMA: Como chegaram a esta modalidade?

Mãe da Francisca: A Francisca chegou a esta modalidade através da escola. Assim que entrou na escola do Alto de Algés, foi-nos comunicado que havia uma modalidade gratuita que podia experimentar que era esgrima. Ela quis experimentar e adorou e ficou. Há época ainda era Esgrima Histórica, depois formaram-se os Gladiadores que a ela adora. Agora, já na Escola Básica de Miraflores continua nos Gladiadores. A Francisca vai fazer 10 anos e pratica desde os seis, portanto há quatro anos.

Pai da Laura: A Laura tem actualmente 11 anos, está no 5º ano de escolaridade, e conheceu a modalidade através dos colegas nomeadamente da Beatriz que faz parte da turma dela e começou a praticar o Kempo Gladiadores.

Mãe da Inês e da Rita: Eu tenho duas filhas, a Inês e a Rita. A Inês está no 8º ano tem 14 anos, a Rita tem 10 e está no 4º ano. Entraram na modalidade através do desporto escolar aqui na Escola Básica do Alto de Algés e continuaram.

 

AMMA: O resultado escolar melhorou quando entraram na Esgrima Histórica?

Mãe da Inês e da Rita: A minha filha mais velha, quando começou a frequentar a Esgrima foi para a auto confiança e isso realmente melhorou muito. Ela ficou muito mais auto confiante, melhorou o foco na escola e a concentração. Foi uma modalidade muito importante [de praticar] até ao 4º ano. Foi muito impulsionador. Eu notei imensas melhoras.

Mãe do Rafael: O Rafael tem 11 anos e está no 5º ano. Entrou este ano lectivo para a Esgrima Histórica e efectivamente o que eu notei foi que a sua auto confiança aumentou bastante como a capacidade de concentração nas aulas assim como a sua segurança no seu dia a dia, a sua calma, a sua gestão de emoções acho que beneficiou bastante desde o início da prática desta modalidade.

Pai do Tomás: O Tomás está no 1º ano,  tem seis anos e começou a Esgrima Histórica há meses, portanto ainda é muito cedo para ver os reflexos, mas está a gostar, está motivado e a construir um sentimento de pertença a uma organização, a um desporto, que vai construir positivamente para o crescimento e para a autoconfiança dele.

 

AMMA: Porque é os filhos escolheram a modalidade?

Pai da Laura: A Laura escolheu a modalidade porque teve recentemente alguns episódios de ansiedade e estava a precisar de foco. A modalidade, para quem não a conhece, pode não parecer devido à intensidade que existe quando eles estão a combater, mas faz com que eles tenham foco. Faz perder a ansiedade, faz com que eles percam aqui o que não conseguem fazer noutro local. É de facto uma modalidade muito boa nesse aspecto e foi por isso que ela a escolheu. Ela estava na natação, quis sair e vir para aqui não só pela união que há no grupo, como estar mais focada, melhorou bastante. Uma mudança da noite para o dia. Daí a escolha dela pela modalidade.

Pai da Beatriz: A Beatriz está no 5º ano e tem 11 anos. Porque na vida tinha alguns episódios de bullying, e quando chegou aqui, ganhou autoconfiança. Agora encara a vida já com outra realidade e sem medos. Fez uma escolha muito positiva, porque está muito mais calma e está concentradíssima no estudo.

 

Agora vamos ver com os treinadores a sua resposta relativa ao campeonato em que muitos dos seus alunos foram medalhados.

AMMA: Tiveram muito trabalho na preparação para o campeonato?

Martim: Sim tivemos bastante, desde a parte do treino dos miúdos como falar com os pais deles, vir 3 a 4 vezes por semana para o local de treino para nos aplicarmos, para corrigir falhas. Depois por fora foi comunicarmo-nos com os organizadores do torneio, falar com os pais para organizar a viagens, falar com a Câmara para organizar transporte e comida, foi um trabalho bastante complexo.

AMMA: O que foi mais complicado nesta logística, foram os apoios monetários?

Martim: Não, nesse aspecto fomos bem ajudados pela Câmara como pela Federação, que sempre nos ajudaram bastante e como é um grande gosto e prazer fazer isto, foi difícil sim, mas faria tudo outra vez. 

João Conrado: No caso do treino a pessoa fica sempre um pouco insatisfeita até porque quer sempre fazer mais e devido à pandemia não foi um culminar de um ano inteiro de trabalho, mas foi finalmente recomeçar após dois anos de interrupções constantes.

 

AMMA: Houve crianças a entrar pela primeira vez?

João Conrado: Houve crianças a entrar pela primeira vez, houve crianças que tinham entrado e estiveram dois anos praticamente paradas, porque conseguiram fazer alguns treinos com a reabertura e depois fecha tudo outra vez… houve crianças que deixaram de vir, porque queriam praticar com um mínimo de regularidade e não nos era permitido, nunca conseguindo atingir o nível que sempre se almeja ter.

 

Os mais pequenos, os protagonistas dos resultados deste torneio vão ter agora a sua voz activa:

AMMA: O que querem dizer aos vossos colegas para virem ser Gladiadores como vocês?

Tomás (1º Ano): Quero pedir que venham, vou tentar dizer-lhes tudo o que faço, para os tentar convencer.

AMMA: E mostrar os prémios que já ganhaste?

Tomás: Sim, já mostrei.

AMMA: O que eles disseram quando viram os teus prémios?

Tomás: Nada, estiveram só a olhar…

AMMA: E ficaram contentes?

Tomás: Ficaram.

AMMA: O que queres dizer aos teus colegas para virem praticar?

Rita (4º Ano): Eu queria pedir aos meus colegas e amigos para vierem cá, porque eles vão-se divertir muito. Nós aqui treinamos muitas coisas…

AMMA: E não se aleijam pois não? É esgrima mas ninguém se magoa?

Rita: Sim.

 

Dos mais pequenos passamos agora a Beatriz Figueira de 18 anos, uma aluna, arbitro e treinadora que devido a compromissos de formação académica no estrangeiro, está de saída.

AMMA: Já foste Gladiadora, árbitro e treinadora?

Beatriz: Sim, mas treinadora um bocadinho.

AMMA: De todas essas três funções, qual foi a mais gratificante para ti?

Beatriz: Gratificante foi estar como treinadora, porque é um prazer estar com os miúdos, acompanhá-los ao longo de todos os combates, ver a sua reação ao ganhar ou ao perder e acompanhá-los ao longo do seu percurso.

AMMA: Começaste com que idade?

Beatriz: A esgrima com sete.

AMMA: Há 11 anos…

Beatriz: Há imenso tempo…

AMMA: Em virtude da vida, agora vais largar. Qual é o sentimento que deixas?

Beatriz: Muita pena, muita saudade, (quase em choro), mas sei que é um percurso que tenho que fazer e que ao terminar, que consiga voltar e continuar.

 

Voltamos agora a falar com o Martim, treinador da Sala de Armas de Algés e Miraflores.

AMMA: Como foi o regresso após dois anos de pausa? Correu bem o arranque das actividades?

Martim: Na verdade nunca houve uma pausa propriamente definida, só estivemos parados nos primeiros cinco meses de 2020, mesmo assim continuamos em comunicação com os pais e com os alunos. Quando já tínhamos a liberdade de ir para fora, perto do Verão de 2020, conseguimos fazer as aulas no parque em Miraflores, algo não tão puxado como estamos a fazer agora. Íamos aos poucos, nunca tivemos uma pausa bem dita, tivemos sempre a evoluir tanto na parte prática como teórica, de maneira que esse regresso foi sempre suave e tranquilo.

AMMA: Que diferenças mais marcantes notou nos alunos? Eles voltaram todos em geral quando terminaram os confinamentos obrigatórios?

Martim: Na verdade quando se deu a pandemia tínhamos três e no regresso tínhamos 10. Não só voltaram como trouxeram outros atrás. Sempre correu muito bem, adequaram-se muito bem, eu e os meus colegas treinadores estivemos sempre a ajudar no processo todo e consideramos que eles fizeram um regresso formidável.

AMMA: Quantas Salas de Armas é que neste momento estão a funcionar?

Martim: Aqui em Oeiras temos Miraflores e Algés, também há Loures e Lisboa, da Academia são essas embora haja outras Salas pelo país a demonstrar o interesse, de forma a que ainda fomos a essas Salas  dar formação.

AMMA: Que projectos tem programados para os próximos tempos aqui na Sala de Armas de Algés?

Martim: É manter o nosso trabalho, sempre evoluir, e manter o nível estável em torneios que foi possível fazer, e se possível ainda mais.

AMMA: Como é que se sentiu no Campeonato do Mundo quando viu os seus alunos ser medalhados?

Martim: Acho que o sentimento começou antes… ir ao meu primeiro campeonato como treinador, foi muito gratificante. Quanto aos miúdos medalhados, é óbvio que é um orgulho ver a recompensa física para o que o miúdo sentiu e sinto-me muito orgulhoso e honrado pelos miúdos terem ido lá, da forma como participaram com ou sem medalha, todos estiveram de parabéns e merecem um reconhecimento igual por isso.

 

Voltamos ao grupo de treinadores, vamos ver como é a relação entre eles.

AMMA: Como é a vossa interação entre treinadores das várias Salas de Armas?

Martim: Conheço os treinadores que aqui vão ser entrevistados há cerca de 8 a 10 anos. Agora em 2020 fizemos o curso de treinador de grau um todos juntos, não só nos vemos como amigos mas tenho o prazer de os ter como profissionais no trabalho, a interactividade foi sempre boa, fazemos o nosso trabalho, ajudamo-nos uns aos outros, conseguimos fazer cooperação, eu ir à zona deles e eles virem a esta, em termos de logística funciona bastante bem.

Guida Santos (Sala de Armas de Loures): Nós ajudamo-nos, quando um não pode por motivos profissionais fazemos a cobertura, ou seja os alunos nunca ficam sem aula, essa é a nossa prioridade com os miúdos para que tenham sempre alguém responsável com eles para não perderem aulas e para estarmos todos em consonância, para fazermos o mesmo trabalho para os campeonatos, como por exemplo para o Campeonato Mundial em que todos treinamos sempre em conjunto. No Campeonato Mundial não estive como treinadora mas sim como árbitro, também sou árbitro dos Gladiadores.

João Conrado (Sala de Armas de Loures): Eu também sou de Loures e faço também a rotação quando necessário com os outros treinadores tanto que por vezes há a questão de… voltando de novo ao Covid, por vezes há impedimentos, como foi o meu próprio caso, em que no Mundial era para ser árbitro e quatro dias antes fiquei com Covid e teve que ser a Guida a substituir-me porque não havia disponibilidade minha e estamos sempre disponíveis para nos apoiar e substituirmos uns aos outros. Entre Salas de Armas há sempre uma cooperação, já nos conhecemos há muitos anos, partimos todos da mesma Sala de aulas original e mantivemos o contacto.

Além dos Gladiadores, que são o nosso principal motivo desta série de conversas, a Academia de Esgrima Histórica tem a componente de Esgrima, Arco&Besta e outras vertentes de Artes Marciais nos adultos. Estes três treinadores também formam adultos e contam algumas curiosidades e de que forma mantiveram o contacto e dentro dos possíveis as aulas à distância com os seus alunos no confinamento.

 

AMMA: Que curiosidades têm sobre as aulas de adultos em tempos de Covid utilizando as tecnologias digitais?

Martim: Foi extremamente desafiante, sobretudo em termos de espaço, não tínhamos espaço para praticar em casa, fizemos através de Jitsi [plataforma digital]. Uns usavam cabos de vassoura para simular as espadas, outros tinham que ir para a varanda, eu próprio tive que ir para a minha garagem, foi muito desafiante, deu para fazer, não é a mesma coisa, mas sempre deu para desenrascar.

João Conrado: Foi engraçado por ver as soluções que cada um utilizou para tentar participar na aula com os meios que tinha à mão, alguns usaram tampas de panelas como broquéis (pequenos escudos redondos), o que na realidade até existem indicações que também ocorria na Época Medieval.”

 

AMMA: Em média quantos alunos tinham por aula?

João Conrado: Dez a doze, não tínhamos mais porque não dava. As janelinhas [do Jitsi] ficam muito pequeninas e tem que se interromper para aumentar a pessoa em questão e ver melhor o que seria necessário corrigir. O instrutor que estava a dar a aula tinha que estar sempre a andar para a frente e para trás, e não tinha a noção com as janelinhas tão pequenas se estavam todos a fazer bem ou não.

Martim: Tínhamos também o caso de pessoas que em vez de fazer o exercício contra outra espada, como não tinham outra pessoa para o fazer, tinham que usar apoios de bicicleta. Os apoios suspensos de bicicleta prendiam a espada no meio e faziam como se estivessem contra outra pessoa.

João Conrado: E a espada era uma vassoura, que apoiavam no apoio de bicicleta e a câmera estava apoiada por trás do apoio de bicicleta de forma que quem estava do outro lado poder ver a perspectiva e corrigir. Foi bastante hilariante nesse aspecto porque as soluções adoptadas eram por vezes inesperadas.

Guida: Foi engraçado porque em casa o espaço é pequeno e então íamos para a varanda e às tantas já tínhamos os vizinhos todos também a ver e a bater palmas porque achavam aquilo muito engraçado. Foi diferente e deu para aperfeiçoar a técnica mesmo em si, porque a Esgrima Histórica tem muita técnica e fazíamos muito técnica e não combates como é óbvio.

João Conrado: Um pormenor curioso, uma coisa que não aconteceu connosco, mas com um colega nosso de outra Sala de Armas com uma espada e chegou com ela a casa e fez uma posição em que a ergueu. Agora tem um buraco no tecto. Em termos de episódios interessantes para mencionar, mas referentes a Gladiadores: em algumas demonstrações feitas em escolas interessadas na modalidade, por vezes fizeram-se combates de equipas (normalmente são 3 vs. 3 ou  5 vs. 5), e as equipas calhavam ser rapazes contra raparigas. Eles mais voluntariosos e em força, elas mais calculistas e cerebrais... ganhando elas, porque chegavam a fazer gambitos (sacrificar uma da equipa como chamariz), de modo a surpreender e vencer toda a equipa dos rapazes.

O balanço deste convívio com estes jovens premiados, os seus testemunhos de gosto pelo trabalho em equipa de Gladiadores, a evolução e resolução de problemas que os pais notam, a sua melhoria na escola e na saúde, o testemunho e coesão de treinadores, e o que se fez em tempos dos confinamentos obrigatórios da pandemia, são uma realidade de um trabalho intenso em volta destes jovens que mudam para melhor pelo facto da prática deste tipo de modalidade, e a gratuitidade dela, ou seja o “amor à camisola” de todos os que colaboram com a Academia de Esgrima Histórica.

 

Texto e Fotos: Pedro MF Mestre

 

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quarta-feira, 6 de novembro de 2024 – 18:31:41

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